Textos

Novo Luto

Conheci um novo tipo de luto. O luto da ilusão.

O luto da perda me é familiar, real, palpável.

Acontece também no exterior. Tem lembranças, cheiros, sons.

Um ritual conhecido, uma dor aguda, um sem lugar.

O luto da ilusão, não. É uma contração interna,

O irreal, o que não houve, o que não deixou nada pra trás.

Nada pra lembrar, chorar ou esquecer.

Um vazio que não pode ser preenchido. Um sopro, um nada.

Viveu na mente por um momento, criou seu enredo e se desfez.

Um abrir mão do um espaço onde não se pertenceu, um lugar que não se teve.

Não é por algo ou por alguém que os olhos choram.

O lamento é por si mesmo.

Minha Palavra

Pela minha palavra

Você queria fazer uma tatuagem

E eu te disse, faça

E depois de tantos anos

De tantas vontades sem coragem

Você foi lá e fez, pela minha palavra,

Não uma, mas três tatuagens

Você queria trocar suas asas

E eu te disse, troca

E depois de ver que eu trocara as minhas,

E que eram novas e que eu podia

Você foi lá e trocou, pela minha palavra,

E eram também novas as tuas plumagens

Você queria descortinar paisagens

E eu não te disse nada

Mas ouvi cada uma das tuas palavras

E percebi aquilo que buscavas

Você entendeu meu apoio mudo

E se lançou no abismo, porque eu te segurava

Você precisava de um porto seguro

E eu te disse, atraca

Amarra em mim o teu barco

Porque eu então sabia

Que se eu pedisse, me ama

Você me responderia, não posso

Ancestrais

Um a um

De quando em vez

Leva-se à terra.

Quando se espera –

Que o tempo já deu o seu sinal

Escorrendo a vida das veias

E enxugando o brilho dos olhos

Opacos, vão se apagando

Sem ver a última sombra

Que lhe lambe a face.

E quando não se espera –

Que se vão de repente

Com a pressa da foice

Que ceifa o momento

Num redemoinho,

O vento, a poeira

Os olhos guardando a última cena

Aprisionada no brilho extinto,

Repentino, de assalto.

E quando se espera –

Mas falta ainda um contar de anos

Uma lamina fria rompe o caminho

Desdenha dos olhos

Roubados de todas as cenas

Centenas de atos

Que jamais verão.

Um a um

De quando em vez

Leva-se à terra.

De nossos olhos vertem histórias

Memórias, risos, soluços.

De nossos olhos salta a certeza –

Vamos ficando.

E então, nosso espanto –

Sem mais escudo ou muralha

Sem nossos gigantes

Espreitamos o nada.

Na linha de frente

Somos murada

De nossas sementes.